De há muito as grandes metrópoles brasileiras, notadamente Rio e São Paulo, são afetadas por contínuas cenas de assalto, envolvendo tanto bancos, alvo preferido dos bandidos, como residências particulares, motoristas em seus carros ou simples transeuntes.
A gravíssima deterioração da ordem pública não comporta mais protelações. Sob muitos aspectos, a situação do Brasil se tornou pior que a da Colômbia. Nesta, o conluio entre guerrilhas maoístas e narcotraficantes assumiu o controle de importantes trechos do interior do país, formando um governo paralelo que a selva tropical protege das Forças Armadas. No Brasil, são as principais cidades - e não remotas regiões rurais - que estão caindo sob o comando dos bandidos. É evidente que a polícia perdeu o controle da situação.
A extrema gravidade do nível a que chegou a perda de segurança pública no Brasil exige, por um lado - rompendo a espantosa inércia das autoridades -, um sério estudo do que está ocorrendo e requer, por outro, ampla e pronta ação conjugada da União, dos Estados e dos municípios, sob a direção do governo federal. O que está em jogo, em última análise, é o fato de que o narcotráfico se infiltrou nessa imensa população marginal, deseducada e miserável que cerca nossas principais metrópoles - na verdade, que as estrangula -, proporcionando às gangues da droga um ilimitado contingente de recrutas para o crime. Para cada bandido morto ou preso, surgem dezenas de substitutos. Na dramática situação a que foi conduzido o Brasil, nenhuma solução é possível sem que se proceda a completa reformulação de uma complexa problemática, que requer, por um lado, uma ampla reforma urbana, com seus aspectos habitacionais, ocupacionais, educativos e sanitários. Por outro, é imprescindível proceder a uma drástica revisão do problema da droga. Chegou a hora de constatar que o mundo perdeu a guerra da droga. Algo de semelhante, embora em proporções incomparavelmente menores, ocorreu nos Estados Unidos, com a "prohibition". Ao vedar o comércio de bebidas alcoólicas, criou-se uma imensa demanda reprimida, para cuja satisfação se formaram perigosíssimas quadrilhas de bandidos, a mais famosa delas a de Al Capone. Para acabar com essas quadrilhas a única solução possível foi a de restabelecer a legalidade do comércio de bebidas alcoólicas.
A atual questão da droga é muito mais complicada que a da "prohibition". Por um lado, as drogas em questão são incomparavelmente mais daninhas que o álcool. Por outro, a criminalização da droga conta com a singular aliança dos narcotraficantes com as agências públicas incumbidas de sua interdição. Aqueles não querem perder um dos mais lucrativos negócios do mundo. Estas não querem perder seu emprego e as secretas propinas que dele auferem. Em tal situação, nenhuma ação pode ser empreendida se não for precedida de uma séria discussão científica, mobilizando as Ciências Sociais, a Medicina, a Biologia, o Direito, em que se analise a relação de custo-benefício entre a manutenção da criminalização da droga e os possíveis efeitos de sua descriminalização.
Estou pessoalmente persuadido de que o custo social da criminalização da droga é incomparavelmente maior que o de sua vigiada liberação. Na verdade, quem quer droga já tem acesso a ela. Liberada a droga, como o álcool, ficariam sob vigilância e as penas da lei os que praticassem abusos públicos, como ocorre com motoristas embriagados. Somente a combinação de uma grande reforma urbana com a liberação, devidamente apoiada em parecer científico, do uso vigiado da droga permitirá restabelecer a segurança pública de nossas cidades e a recuperação por países como a Colômbia do completo controle sobre seu território. Helio Jaguaribe
Helio Jaguaribe, sociólogo,fundador do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Iepes) OESP 20/5/2006 - espaço aberto
A gravíssima deterioração da ordem pública não comporta mais protelações. Sob muitos aspectos, a situação do Brasil se tornou pior que a da Colômbia. Nesta, o conluio entre guerrilhas maoístas e narcotraficantes assumiu o controle de importantes trechos do interior do país, formando um governo paralelo que a selva tropical protege das Forças Armadas. No Brasil, são as principais cidades - e não remotas regiões rurais - que estão caindo sob o comando dos bandidos. É evidente que a polícia perdeu o controle da situação.
A extrema gravidade do nível a que chegou a perda de segurança pública no Brasil exige, por um lado - rompendo a espantosa inércia das autoridades -, um sério estudo do que está ocorrendo e requer, por outro, ampla e pronta ação conjugada da União, dos Estados e dos municípios, sob a direção do governo federal. O que está em jogo, em última análise, é o fato de que o narcotráfico se infiltrou nessa imensa população marginal, deseducada e miserável que cerca nossas principais metrópoles - na verdade, que as estrangula -, proporcionando às gangues da droga um ilimitado contingente de recrutas para o crime. Para cada bandido morto ou preso, surgem dezenas de substitutos. Na dramática situação a que foi conduzido o Brasil, nenhuma solução é possível sem que se proceda a completa reformulação de uma complexa problemática, que requer, por um lado, uma ampla reforma urbana, com seus aspectos habitacionais, ocupacionais, educativos e sanitários. Por outro, é imprescindível proceder a uma drástica revisão do problema da droga. Chegou a hora de constatar que o mundo perdeu a guerra da droga. Algo de semelhante, embora em proporções incomparavelmente menores, ocorreu nos Estados Unidos, com a "prohibition". Ao vedar o comércio de bebidas alcoólicas, criou-se uma imensa demanda reprimida, para cuja satisfação se formaram perigosíssimas quadrilhas de bandidos, a mais famosa delas a de Al Capone. Para acabar com essas quadrilhas a única solução possível foi a de restabelecer a legalidade do comércio de bebidas alcoólicas.
A atual questão da droga é muito mais complicada que a da "prohibition". Por um lado, as drogas em questão são incomparavelmente mais daninhas que o álcool. Por outro, a criminalização da droga conta com a singular aliança dos narcotraficantes com as agências públicas incumbidas de sua interdição. Aqueles não querem perder um dos mais lucrativos negócios do mundo. Estas não querem perder seu emprego e as secretas propinas que dele auferem. Em tal situação, nenhuma ação pode ser empreendida se não for precedida de uma séria discussão científica, mobilizando as Ciências Sociais, a Medicina, a Biologia, o Direito, em que se analise a relação de custo-benefício entre a manutenção da criminalização da droga e os possíveis efeitos de sua descriminalização.
Estou pessoalmente persuadido de que o custo social da criminalização da droga é incomparavelmente maior que o de sua vigiada liberação. Na verdade, quem quer droga já tem acesso a ela. Liberada a droga, como o álcool, ficariam sob vigilância e as penas da lei os que praticassem abusos públicos, como ocorre com motoristas embriagados. Somente a combinação de uma grande reforma urbana com a liberação, devidamente apoiada em parecer científico, do uso vigiado da droga permitirá restabelecer a segurança pública de nossas cidades e a recuperação por países como a Colômbia do completo controle sobre seu território. Helio Jaguaribe
Helio Jaguaribe, sociólogo,fundador do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Iepes) OESP 20/5/2006 - espaço aberto
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